Cecília Mattos Advocacia

blog

blog

A tutela de evidência

Projeto de pesquisa apresentado ao Departamento de Pós Graduação e Extensão da Anhanguera Uniderp, como requisito parcial à obtenção do grau de especialista.

Maria Cecília Fernandes de Mattos Crispim
Curso de Pós Graduação Metodologias e Gestão para EAD
Pólo de Resende, RJ

 

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo principal o estudo da inovação processual trazida por meio da tutela de evidência, cuja previsão se encontra na lei 13.105/15, mais precisamente no artigo 311. Será apresentada uma breve síntese da previsão legal e da aplicação referida tutela no processo judicial. Para tal, utilizou-se de materiais doutrinários, legislativos, jurisprudenciais e artigos on-line, sendo o presente trabalho apresentado na forma bibliográfica, descritiva, histórica e documental.  

 

SUMÁRIO

1 – Introdução. 2 – A Tutela de Evidência. 2.1 – As Hipóteses de Cabimento da Tutela de Evidência. 2.1.1 – Tutela de Evidência Sancionatória (art. 311, I, CPC). 2.1.2 – Tutela de Evidência Fundada em Precedente Jurisprudencial Vinculante (art. 311, II, CPC). 2.1.3 – Tutela de Evidência Baseada no Direito do Depositante (art. 311, III, CPC). 2.1.4 -Tutela de Evidência Lastreada em Prova Documental (art. 311, IV, CPC). 3 – Forma de Aplicação da Tutela de Evidência. 3.1 – Da Tutela de Evidência em Sede de Juizado Especial. 3.2 – Da Tutela de Evidência em Favor do Réu. 3.3 – Da Tutela de Evidência Recursal. 3.4 – O Entendimento Doutrinário Acerca da Previsão e Aplicação da Tutela de Evidência e o Entendimento dos Tribunais Pátrios. 4 – Considerações Finais. Referências Bibliográficas.  

 

1- INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo discutir a inovação trazida pela lei 13.105/2015 no tocante à tutela de evidência, apresentando um panorama doutrinário e prático da previsão e aplicação da referida tutela no sistema processual judiciário vigente. Por meio do presente trabalho, apresentaremos as impressões dos doutrinadores, aplicadores do direito e órgãos julgadores a fim de trazer um panorama esclarecedor quanto aos aspectos práticos e teóricos que norteiam a ferramenta processual. Por fim, será apresentado uma conclusão acerca da utilização da medida processual tutela da evidência, introduzida na dinâmica processual por meio do artigo 311 do Código de Processo Civil, e, como vem sendo a aceitação e utilização da medida por parte dos aplicadores do direito e órgãos jurisdicionais, a fim de oferecer um panorama quanto à efetividade da medida como meio de acelerar a prestação jurisdicional quando presente a plausibilidade do direito, trazendo, a partir dessa inovação maior celeridade e efetividade à tutela promovida pelo estado juiz.  

 

2- A TUTELA DE EVIDÊNCIA

Uma das novas modalidades de antecipação da tutela jurisdicional é a chamada “tutela de evidência”, que ocorre quando presentes os requisitos do art. 311 e incisos, do CPC. Esse tipo de tutela se diferencia das outras espécies previstas no Código porque ela prescinde de urgência e baseia-se, como o nome sugere, na evidência do direito do autor. LUIZ GUILHERME MARINONI, em uma passagem magistral de uma de suas obras que agora me escapa, afirmou que “o tempo do processo não pode ser adjudicado a quem, evidentemente, não tem razão.” Essa técnica, na verdade, demorou demais para vingar entre nós e já era sustentada há muito tempo por processualistas eméritos, destacando-se OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA.1

Conceito: A tutela da evidência é um instrumento processual de caráter jurisdicional sumária de natureza satisfativa, fundamentada em um juízo de alta  probabilidade  ou  de quase certeza da plausibilidade do direito invocado, não exigindo para sua concessão o requisito da urgência. Assim, ensina Alexandre Câmara:

Denomina-se tutela de evidência à tutela provisória, de natureza satisfativa, cuja concessão prescinde de requisito de urgência (art.311). Trata-se, então, de  uma tutela antecipada não urgente, isto é, de uma medida destinada a  antecipar  o  próprio resultado prático final do processo, satisfazendo-se na prática o direito do demandante, independentemente da presença de periculum in mora. Está-se,  aí, pois, diante de uma técnica de aceleração do resultado do processo, criada para casos em que se afigura evidente (isto é, dotada de probabilidade máxima) a existência do direito material.2 Evidência, é claro, não significa certeza. As certezas, em processo, não existem. Do que se fala quando se fala de “evidência”, nada mais é do que verossimilhança, porém elevada a um grau máximo, em que qualquer racionalidade se convença de que a hipótese esteja apresentada de forma irrefutável. Essa “evidência” lembra uma citação de Platão, que diz o seguinte: “o que é o bem, Fedro, alguém precisa nos dizer?3

Antes de se adentrar ao estudo do instituto, imperioso se faz apresentar o que estabelece por meio do artigo 311 e seus incisos o Novo Código de Processo Civil vigente desde 18 de março de 2016.

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.4

Vejamos o que ensina Luiz Rodrigues Wambier nesse sentido:

Quando se fala em acesso à justiça, o que se quer dizer é direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, ou seja, o direito à obtenção de provimentos que sejam realmente capazes de promover, nos planos jurídicos e empíricos, as alterações requeridas pelas partes e garantidas pelo sistema processual. 5

Destaca-se que a carta Magna vigente no ordenamento jurídico assegura a todos a duração razoável do processo por meio do previsto em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, por meio do qual resta estabelecido o que segue: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Segundo Bruno Bodart, a Tutela de Evidência consiste na técnica de distribuição, entre autor e réu, dos ônus decorrentes do tempo do processo, que, baseada no alto grau de verossimilhança e credibilidade da prova documental apresentada, concede ao autor em sede de cognição sumária a tutela jurisdicional quando há demonstração prima facie da existência de seu direito, para que a morosidade judiciária não favoreça a parte a quem não assiste razão em detrimento daquele que a tem, transformando o processo numa arma letal contra o detentor de direito evidente. Observa-se que mesmo antes da vigência da Lei 13.105/2015 o Ministro Luiz Fux já utilizava o termo Tutela da Evidência, senão vejamos:  

A cognição judicial da evidência permite não só o deferimento initio litis do provimento requerido como também o seu indeferimento e, nesse tópico, coincidem os regimes da segurança e da evidência, tanto que o juízo que indeferir de plano a inicial pela inexistência “evidente” de direito alegado, sem que haja qualquer violação do contraditório, instituído em prol do demandado, para que a sentença favorável não seja fruto da manifestação unilateral do autor. Ora, se o juízo de per si verifica de plano da inexistência do direito, pelo ângulo da evidência, nenhuma utilidade representará a vinda do réu aos autos, mercê de essa postura resguardar, no plano jusfilosófico a igualdade de tratamento às partes do processo. 6

Verifica-se que para que reste configurado os requisitos legais exigidos para a concessão da tutela da evidência, necessário se faz presente uma das quatro hipóteses do art. 311 do NCPC, descritas nos incisos de I a IV, rol taxativo ou numerus clausus, reconhecida independentemente da demonstração de dano ou de risco ao resultado útil do processo, ou seja, prescinde de urgência.

Sobre esse assunto, ensina nosso Ilustre Doutrinador e Emérito Professor Alexandre Câmara:

Identificou-se também no sistema processual outra modalidade de Tutela Provisória. Trata-se da agora chamada Tutela de Evidência, cujo fundamento é a existência de determinada situação que, ao ver do legislador autoriza a imediata e provisória proteção do suposto direito afirmado na inicial. Nesse caso,  não se verifica o risco de dano grave ou de difícil reparação, mas as circunstâncias justificam a inversão das consequências suportadas em regra pelo autor em razão da demora do processo. A antecipação da tutela prevista no artigo 273, II, e a liminar possessória, artigo 928, ambas no Código Civil de 1973, são exemplos típicos. Em nenhum desses casos cogita-se do periculum in mora. Basta a verossimilhança. Nada mais fez o legislador de 2015, portanto, do que reunir hipótese legais reguladas de forma esparsa e regulá- las em um único dispositivo (Código de Processo Civil de 2015, artigo 311). Essa modalidade de tutela provisória, ao contrário do que pode parecer ao menos avisados, requer a demonstração da plausibilidade do direito alegado. Interpretação diversa contraria a própria natureza dessa modalidade de tutela jurisdicional e a própria denominação a ela atribuída pelo legislador (Tutela de Evidência). Não é crível que se admita a proteção de direito inverossímil.7

Ressalta-se que a tutela provisória de evidência se destina às formas de tutela não urgentes, ou seja, àquelas apreciadas por meio de decisão sumária em razão da evidência do direito evocado.

Bodart, ensina:

Como se vê, diferentemente das demais espécies de Tutela Provisória, a Tutela de Evidência é uma tutela “não urgente”, porque não exige demonstração do perigo de dano (periculum in mora), baseando-se unicamente na Evidência, isto é, num juízo de probabilidade, na demonstração documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do Autor, ou seja, uma espécie de fumus boni iuris de maior robustez.8

E mais, além da tutela de evidência não exigir o requisito da urgência ela é sempre satisfativa, o que não afasta de ser deferida como tutela assecuratória. Vejamos o entendimento apresentado pelo Desembargador Alexandre Câmara:

Registre-se, por fim, que se a tutela da evidência prevista no CPC é sempre satisfativa da pretensão do demandante, daí não se pode extrair a absoluta impossibilidade de que se venha a reconhecer algum caso de tutela de evidência meramente assecuratória. É o que se tem, por exemplo, na medida que determina a indisponibilidade de bens do réu de “ação de improbidade administrativa” (art. 7º.  da Lei no. 8.429/1992), medida assecuratória para cuja concessão não se exige a existência de uma situação de urgência (como já decidiu o Supremo Tribunal de Justiça no REsp 1.366.721/BA, julgado conforme a técnica de julgamento dos recursos repetitivos). 9

Após sua concessão, o réu deve continuar se defendendo no processo. E, se for o caso, pode lançar mão do seu direito de interpor recurso contra a tutela provisória, que é passível de ser revogada. 10

No âmbito da Lei 9.099/95, aplicar-se-ão as tutelas de evidência? Certamente, assim como se aplicam as tutelas antecipadas, embora, como não caibam recursos de decisões interlocutórias em sua esfera, possivelmente haverá uma alteração legislativa ou os prejudicados terão que se utilizar do mandado do se segurança, medida de duvidoso sucesso, que pressupõe um “direito líquido e certo” que se encontrará muito mais próximo da pretensão do autor do que do impetrante, já que a concessão da medida recorrida obedeceu à evidência do direito do primeiro.11

O NCPC deve ser subsidiário à lei dos juizados especiais apenas nos casos em que essa referência é feita, e não de forma indiscriminada. A matéria está longe de ser pacificada, mas o certo é que, com as mudanças processuais e a aprovação ou não dos projetos em tramitação sobre o assunto, os juizados mudarão. Ou irão atingir o ápice da burocratização e emperrarão, ou se tornarão aquilo que deveria ser desde 1995, gerando um processo célere, simples e eficiente. Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat – “Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés de que os reduza à inutilidade.”12

 

2.1  – AS HIPÓTESES DE CABIMENTO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

A legislação que ampara o instituto prevê no artigo 311 do Código de Processo Civil em quais hipóteses é cabível o requerimento da tutela jurisdicional provisória da evidência, providência processual que dispensa a urgência, exigindo para tanto que se mostre presente a plausibilidade do direito evocado.

Sobre esse aspecto, ensina Alexandre Câmara:

Prevê o art. 311 um rol de quatro hipóteses em que será concedido tutela de evidência. Em todos esses casos, portanto, será possível deferir-se, provisoriamente, ao demandante o próprio bem jurídico que ele almeja obter com o resultado final do processo, satisfazendo-se antecipadamente sua pretensão. Além, dos casos previstos no art. 311, há outros exemplos de tutela de evidência, que podem ser encontrados no próprio CPC (como a liminar em processo possessório de força nova, art. 562; ou a adjudicação antecipada a herdeiro de bem do monte, art. 647, parágrafo único) ou em legislação extravagante ( como é o caso da fixação de aluguel provisório em “ação revisional de aluguel”, art. 68, II da Lei no. 8.245/1991).13

 

2.1.1  – TUTELA DE EVIDÊNCIA SANCIONATÓRIA (art. 311, I, CPC)

A primeira hipótese de Tutela de Evidência (art. 311, I, CPC), relembrando a redação do art. 273, II, do CPC/73, torna o instituto um verdadeiro instrumento protetor da boa-fé e lealdade  processual,  visando  reprimir  práticas  protelatórias  ou  que  caracterizem abuso do direito de defesa, também chamada por alguns doutrinadores, como Bruno Bodart, de Tutela de Evidência Sancionatória.

Defere-se a tutela de evidência quando “ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte” (art.311, I). Trata-se, aqui, da previsão de uma tutela provisória sancionatória, por força da qual a aceleração do resultado do processo se apresenta como uma sanção imposta àquele demandado que exerce seu direito de defesa de forma abusiva, com o único intuito de protelar o andamento do processo. É, pois, uma técnica de antecipação da tutela perfeitamente compatível com a garantia Constitucional da República). É que há casos – e todo profissional habituado a prática forense já viu algum – em que, proposta uma demanda, o réu apresenta uma defesa que não é séria. É o que se dá por exemplo, em processos nos quais se discute a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e este se defende alegando não ter agido com culpa para a produção do dano  suportado pelo consumidor (quando é notório que a responsabilidade civil do fornecedor de produtos é, invariavelmente, objetiva, prescindindo da existência de culpa). É, também, o que se dá naqueles casos em que o réu apresenta defesa que contraria fatos notórios, ou se baseia em lei já declarada inconstitucional pelo STF. Considera-se também, abusiva a defesa da Administração Pública quando contrariar entendimento firmado, com eficácia vinculante, no âmbito administrativo do próprio ente público, e que esteja consolidado em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou a presença de elementos que justifiquem a superação daquele entendimento consolidado (FPPC, enunciado 34). Muitos outros exemplos poderiam ser figurados, mas estes bastam para indicar o tipo de conduta do demandado que se busca punir com a tutela de evidência sancionatória.14

“Todavia, o direito do autor não nasce com o simples abuso do direito de defesa do réu. É necessário, portanto, que seu direito seja verossímil, provável. O abuso do direito de defesa, puro e simples, não enseja a concessão da medida” (DONIZETTI, 2016).

No mesmo sentido, Scarpinella Bueno assevera que “(…) o abuso do direito de defesa do réu ou o seu manifesto propósito protelatório nada diz, por si só, com relação à evidência do direito do autor, que, por isto, deve também ser demonstrada (…)” (BUENO, 2015, p. 232). O que se verifica é que o legislador buscou evitar que não só o processo, como também o próprio direito da parte devidamente respaldado por prova documental robusta e idônea sucumbam a práticas protelatórias e desleais, conferindo maior efetividade à prestação jurisdicional.

Ora, contatando o juiz, de plano, o escopo protelatório dos embargos opostos pelo réu – e considerando que eles mantém suspensa a eficácia do mandado monitório até que sejam julgados (art.702, parágrafo 4º), nada impede que conceda a tutela provisória de evidência reclamada pelo autor (art. 311, I), determinando, por exemplo, a imediata imissão do autor na posse do imóvel.15

Nas ações judiciais contra a Fazenda Pública, existem entendimentos no sentido de que o abuso do direito de defesa resta configurado quando o Ente Público apresenta matéria de defesa que afronta entendimentos já firmado em parecer, súmula, ou, ato administrativo, salvo quando demonstrada que há distinção entre os casos ou a necessidade de modificação daquele entendimento.

A matéria foi objeto de enunciados aprovados durante o encontro do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, cujo teor segue abaixo:

As vedações à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência. Enunciado nº 34: (art. 311, I) Considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento.16

 

2.1.2   TUTELA DE EVIDÊNCIA FUNDADA EM PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL VINCULANTE (Art. 311, II, CPC)

Outra hipótese de tutela de evidência (art. 311, II) é aquela em que as alegações de fato deduzidas pelo autor puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tesa firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Aqui, a concessão da tutela de evidência exige a presença cumulativa de dois requisitos: suficiência da prova documental preconstituída e existência da tese firmada em precedente ou súmula vinculante.17

Exige-se, pois, em primeiro lugar, que a prova trazida com a petição inicial seja suficiente para demonstrar a veracidade de todas as alegações, formuladas pelo demandante, a respeito dos fatos que fundamentam sua pretensão. Tem-se aí, então, situação equivalente àquela do mandado de segurança, cuja concessão, exige a demonstração de direito líquido e certo (assim compreendido aquele direito cujo fato constitutivo é demonstrável através de prova exclusivamente documental e preconstituída). A necessidade de produção de outros meios de prova além dos documentos que instruem a petição inicial, portanto, é suficiente para afastar a incidência do art. 311, II. A mera existência de direito liquido e certo, porém, não é suficiente para a concessão da tutela de evidência. Exige-se, também, a existência de precedente ou súmula vinculante aplicável ao caso concreto. Como se terá oportunidade de examinar mais detidamente adiante, o CPC implanta um sistema de precedentes vinculantes (assim entendidos os julgamentos produzidos em casos repetitivos – recursos excepcionais repetitivos e incidentes de resolução de demanda repetitivas – e incidente de assunção de competência). Além disso, existem os enunciados de súmula vinculante (art. 103-A da Constituição da República e Lei no. 11.417/2006). Pois os precedentes e enunciados de súmula vinculante estabelecem padrões decisórios capazes de permitir que casos equivalentes recebam soluções equivalentes (to treat like cases alike), estabelecendo-se a partir daí uma padronização das decisões, a fim de assegurar previsibilidade (que é elemento essencial do direito fundamental à segurança jurídica) e isonomia (afinal, se todos são iguais perante a lei, é preciso que casos iguais recebam decisões iguais).18

No entanto, alguns outros juristas defendem a possibilidade de concessão da tutela de evidência com fundamento em precedentes jurisprudenciais não obrigatórios, tais como súmulas dos Tribunais Superiores. É o que dispõe um dos enunciados aprovados durante seminário realizado pela ENFAM (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados) sobre o novo CPC:

É possível a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, II, do CPC/2015 quando a pretensão autoral estiver de acordo com orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade ou com tese prevista em súmula dos tribunais, independentemente de caráter vinculante.19

Outro enunciado interessante aprovado no mesmo evento é o de nº 31, segundo o qual a concessão da tutela de evidência do art. 311, II, independe do trânsito em julgado da decisão paradigma, de modo que seria possível, segundo este entendimento, fundamentar a tutela em precedentes jurisprudenciais ainda não atingidos pela coisa julgada material.

Não é este o momento, evidentemente, de se analisar o sistema de precedentes regulamentado pelo CPC. Impõe-se afirmar, porém, e desde logo, que em casos nos quais o demandante demonstre, com sua petição inicial, ter direito líquido e certo, e exista precedente ou enunciado de súmula vinculante aplicável ao caso, justifica-se o deferimento de tutela provisória (da evidência), por ser muito provável que tenha ele razão e que seu pedido venha a ser julgado procedente.20

Importante lembrar que o Código silencia quanto à exigência de trânsito em julgado da decisão paradigma, o que abre espaço para intensos debates divergentes sobre o tema, que, por ser novo, está longe de ser pacificado.

 

2.1.3 – TUTELA DE EVIDÊNCIA BASEADA NO DIREITO DO DEPOSITANTE (art. 311, III, CPC)

A terceira hipótese de tutela de evidência (art. 311, III, CPC) surgiu para substituir a antiga Ação de Depósito dos artigos 901 a 906 do CPC/73. Assim, estando devidamente instruída a petição inicial, o juiz expedirá ordem liminar para a entrega da coisa que se encontre em poder do demandado, podendo aplicar multa em caso de descumprimento da ordem judicial (BODART, 2015).

Apesar do inciso III do artigo 311 não exigir expressamente o dever do autor de comprovar a mora do réu, existem entendimentos doutrinários e jurisprudenciais no sentido de que não basta a prova documental do contrato de depósito para requerer a tutela de evidência, sendo necessária a prova da constituição em mora do devedor, que normalmente é feita por meio de protesto ou interpelação judicial e extrajudicial.

Afirma a lei processual que será deferida a tutela de evidência quando o demandante tiver postulado a restituição da coisa depositada, fundando seu pedido em “prova documental adequada” do contrato de depósito. Vale aqui recordar, porém, que o depósito voluntário só se prova por escrito (art. 646 do CC), regra também aplicável ao contrato de depósito necessário legal (arts. 647, I e 648 do CC). O depósito miserável (srt.647, II do CC) é demonstrável por qualquer meio de prova (art. 648, parágrafo único do CC).21

A matéria foi abordada em um dos enunciados aprovados pela ENFAM, a saber: “Enunciado nº 29 da ENFAM: Para a concessão da tutela de evidência prevista no art. 311, III, do CPC/2015, o pedido reipersecutório deve ser fundado em prova documental do contrato de depósito e também da mora.”

A importância da comprovação da mora quando do pedido visa evitar que o Réu alegue desconhecimento da pretensão do autor, bem como permitir a este o imediato acesso ao direito invocado e documentalmente comprovado sem ter de aguardar o moroso deslinde processual e atos como a citação, a contestação e a sentença (BODART, 2015).

 

2.1.4 – TUTELA DE EVIDÊNCIA LASTREADA EM PROVA DOCUMENTAL (art. 311, IV, CPC)

Por último (art.311, IV), é cabível a tutela de evidência quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Trata-se de mais um caso de tutela da evidência fundada em direito líquido e certo (isto é, em direito cujo fato constitutivo é demonstrável através de prova documental preconstituída), mas, diferentemente do que se prevê no inciso II deste mesmo art. 311, aqui não há precedente ou enunciado de sumula vinculante aplicável ao caso. Nesta hipótese, então, a tutela da evidência exige que, além da prova documental suficiente a acompanhar a petição inicial, não tenha o demandado sido capaz de gerar dúvida razoável acerca da veracidade das alegações feitas pelo autor a respeito dos fatos da causa. Pois nesse caso, da soma dos elementos probatórios trazidos pelo autor e da falta de elementos convincentes trazidos pelo réu extrai-se a probabilidade máxima (evidência) da existência do direito substancial alegado pelo demandante.22

Em outras palavras, a partir do momento em que o réu, ao exercer o Contraditório, não se desincumbe do ônus de apresentar fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor por meio de prova documental apta a desacreditar as provas que instruem a inicial, torna o direito do autor ainda mais robusto e dotado de credibilidade, permitindo, assim, o pronto acesso deste ao bem da vida pleiteado sem que tenha de aguardar o trânsito em julgado da demanda.

É importante esclarecer, contudo, que a robustez e confiabilidade da prova carreada pelo autor, contra a qual o réu não oponha dúvida razoável, baseia-se num juízo de probabilidade, e não de certeza, por se tratar de medida concedida em sede de cognição sumária, até porque somente pode-se aferir certeza após a atividade de cognição exauriente. Quanto menos complexa a atividade cognitiva do julgador em conhecer dos autos, menos próximo de um juízo de certeza ele estará (BODART, 2015).

Porém, mesmo sendo a decisão que concede a tutela de evidência proferida em sede de cognição sumária, o julgador deve indicar expressamente os motivos de sua decisão quando entender ser a prova documental do autor suficiente e confiável, bem como as razões pelas quais entendeu não ter sido o réu capaz de opor dúvida razoável quanto às provas do autor, à luz do que dispõe o artigo 489, §1º, do Código (BODART, 2015).

 

3- FORMA DE APLICAÇÃO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA

 Diferentemente das tutelas de urgência, que podem ser pleiteadas de forma antecedente (antes do ajuizamento da ação) ou incidental, o Código estabelece que a Tutela de Evidência somente pode ser pedida na petição inicial ou no curso do processo.

A tutela de evidência é sempre incidental ao processo em que se tenha formulado o pedido de tutela final, e nos casos previstos nos incisos I e IV do art. 311 só pode ser deferida depois do oferecimento da contestação (o que resulta da óbvia razão segundo a qual só se pode cogitar de abuso do direito de defesa depois que esta tenha sido oferecida, assim como só se pode afirmar que o réu não trouxe provas capazes de gerar dúvida razoável sobre o material probatório produzido pelo autor depois que o demandado tenha tido oportunidade para apresentar as suas alegações e provas). Permite a lei processual, porém, que a tutela de evidência seja deferida, nos casos previstos nos incisos II e III do art. 311, inaudita altera pars (arts.9, parágrafo único, II e 311, parágrafo único).

Todavia, existe discussão doutrinária acerca da possibilidade de concessão da Tutela de Evidência de forma autônoma (antecedente), mesmo inexistindo previsão legal no Código de Processo Civil. Trata-se de questão polêmica, a qual diante do ineditismo do instituto, não tendo havido, ainda, tempo hábil para avaliar as consequências de sua aplicação prática.

Segundo BODART (2015), somente as hipóteses de tutela de evidência dos incisos I e IV do artigo 311 são incompatíveis com a possibilidade de concessão em caráter antecedente (antes da ação principal), porque a concessão de ambas somente pode ocorrer após o exercício do contraditório pelo Réu, momento no qual é possível verificar a ocorrência de má-fé processual ou abuso do direito de defesa (inciso I), bem como a apresentação de provas aptas a desacreditar aquelas apresentadas pelo autor (inciso IV).

Assim, somente as hipóteses do artigo 311, incisos II e III são compatíveis com o procedimento autônomo, por serem as únicas situações nas quais o julgador pode decidir na forma inaudita altera parte, de modo que poderiam ser pleiteadas de forma antecedente, porque a verdadeira missão do instituto é garantir uma prestação jurisdicional mais eficaz e célere (BODART, 2015).

Deve-se ter claro, porém, que a possibilidade de prolação de decisão concessivas de tutela da evidência sem prévio contraditório é absolutamente excepcional. Isto porque, como reiteradamente tem sido dito ao longo deste trabalho, o contraditório – entendido como garantia de participação com influência na formação das decisões judiciais e de não surpresa – é uma exigência do Estado Democrático de Direito, e  só pode ser excepcionado em casos nos quais seu afastamento se revele necessário para a proteção de algum direito fundamental que seria sacrificado com sua observância. Ter-se-á, então, de compreender a autorização para concessão inaudita altera parte da tutela de evidência como mecanismo assegurador de direitos fundamentais que poderiam ser postos em risco se exigida a observância do contraditório prévio.23

Em sentido contrário, Humberto Theodoro Jr (2016) entende que a tutela de evidência, por sua própria natureza, pressupõe ação já ajuizada, pois é através da dedução da pretensão posta em juízo e da análise dos documentos apresentados que é possível avaliar se o direito do autor é, de fato, evidente.

Todavia, não é demais relembrar que inexiste previsão legal quanto a possibilidade de concessão da tutela de evidência de forma antecedente, e, ainda que hajam posicionamentos doutrinários favoráveis a tal concessão, oportuno e prudente se faz aguardar a repercussão da aplicação prática do instituto no âmbito dos tribunais.

 

3.1 – DA TUTELA DE EVIDÊNCIA EM SEDE DE JUIZADO ESPECIAL

As modalidades de tutelas de urgência antecedentes não se aplicam em sede de Juizados Especiais por divergência total procedimental e, também em decorrência da suficiência da sua concessão quando requerida de forma incidental dentro da demanda.

Assim também o Enunciado 89 do Fonajef (Não cabe processo cautelar autônomo, preventivo ou incidental, no âmbito do JEF). Por argumentos distintos, entendeu o Fonajef no Enunciado 178 pelo descabimento [A tutela provisória em caráter antecedente não se aplica ao rito dos juizados especiais federais, porque a sistemática de revisão da decisão estabilizada (artigo 304 do CPC/2015) é incompatível com os artigos 4º e 6º da Lei nº 10.259/2001].24

Em decorrência do rito procedimental sumaríssimo aplicado aos Juizados Especiais se mostra suficiente que o autor requeira a providência cautelar ou antecipatória na inicial, assim como, o réu em sua peça de bloqueio. No entanto, não se afasta a possibilidade de postulação incidental quando a providência devidamente justificada.

Em tal sentido, Enunciado 163 do Fonaje (Os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos artigos 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais). Esse norte já vinha sendo seguido, conforme Enunciado 26 do mesmo Fonaje (São cabíveis a tutela acautelatória e a antecipatória nos Juizados Especiais Cíveis).25

Nada obsta e tudo mesmo aconselha, que as demais hipóteses de tutela provisória (tutela de urgência incidente e tutela de evidência) sejam aplicáveis aos Juizados Especiais, porque derivam de técnicas de aceleração da tutela jurisdicional há muito sedimentadas [2]. Pela aplicação do regime como um todo, Hartmann (2015, p.  254); pela aplicação das tutelas de urgência cautelares, Veiga (2015, 264); pela aplicação da tutela de evidência, Leal e Netto (2015, p. 690-691). Também o FPPC, no seu Enunciado 418 (As tutelas provisórias de urgência e de evidência são admissíveis no sistema dos Juizados Especiais).26

Ressalta-se que a tutela de evidência é compatível tanto com os procedimentos especiais como com o Juizado Especial Civil, conforme estabelecido pelo enunciado 418 e 422 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC). Segundo o enunciado 423 do FPPC, é possível a concessão de tutela de evidência recursal. Ressalta-se, ainda, que as vedações à concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública não se aplicam aos casos de tutela de evidência (enunciado 28 do FCCP). 27

 

3.2 – DA TUTELA DE EVIDÊNCIA EM FAVOR DO RÉU

A tutela de evidência não é ferramenta que atua unicamente no interesse do autor, porque também pode ser requerida pelo réu, conforme ensinamento de Elpídio Donizetti:

É de lembrar que qualquer que seja a modalidade de tutela provisória, pode ser requerida tanto pelo autor quanto pelo réu. Pelo réu, quando este postular o acertamento de direito material, o que se dá na reconvenção ou no pedido contraposto (juizados especiais ou em casos específicos previstos no Código, como, por exemplo, na ação possessória – art. 556).28

O doutrinador acima citado ensina ainda que, mesmo nas hipóteses previstas nos incisos I e IV do art. 311 o Réu poderá vir a requerer a tutela de evidência, como exemplo, cita-se o caso em que o autor-reconvindo abusa do direito de defesa ou pratica atos processuais protelatórios (inciso I), ou, ainda, quando não se desincumbe do seu ônus processual ao deixar de apesentar prova capaz de gerar dúvida razoável com referência aos fatos constitutivos do direito do réu-reconvinte (inciso IV).

 

3.3 – DA TUTELA DE EVIDÊNCIA RECURSAL

A sistemática do CPC/73, revogado, já se mostrava insuficiente e excessivamente burocrática, eis que permitia a perpetuação de processos em sede de instância recursal, se divorciando dos princípios tutelados por nossa Carta Maior, quais sejam, o da razoável duração do processo e o da celeridade.

A partir da vigência do novo Código de Processo Civil, foram expurgados recursos e expedientes que apresentavam pouca utilidade prática, conferindo às novas regras processuais introduzidas por meio do novo Código de Processo Civil uma nova roupagem no que tange, também, ao sistema recursal, visando coibir e afastar os recursos protelatórios, criando mecanismos que visam dar maior celeridade e efetividade à tutela jurisdicional a fim de efetivar em um menor prazo o acesso da parte vencedora ao direito que foi judicialmente reconhecido.

Nesse diapasão, a Tutela de Evidência também em grau recursal assume importante papel. Note-se que o Código em vigor manteve a regra do duplo efeito com relação ao recurso de Apelação, obrigando a parte vencedora a ter de aguardar o trânsito em julgado para ter seu direito subjetivo efetivado, vez que a supressão do efeito suspensivo figura como exceção à regra, conforme dispõe o Código, a saber:

Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de  difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.

  • 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:

(…)

– confirma, concede ou revoga tutela provisória;

(…)

4º Nas hipóteses do § 1º, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.29

Nesse contexto, oportuno se faz frisar que à luz do que dispõe o artigo 1.012, §4º, do Código de Processo Civil em vigor é possível, por meio da chamada tutela de evidência recursal, a retirada do efeito suspensivo do recurso de apelação, mediante decisão  monocrática proferida pelo relator do recurso quando verificado a presença dos elementos probatórios que demonstrem a evidência do da plausibilidade do direito da parte, o que equivale dizer a sua probabilidade.

No mesmo sentido, o Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC, aprovou Enunciados sobre o tema:

(arts. 1.012, § 1º, V, 311) A apelação contra o capítulo da sentença que concede, confirma ou revoga a tutela antecipada da evidência ou de urgência não terá efeito suspensivo automático.

(arts. 311; 995, parágrafo único; 1.012, §4º; 1.019, inciso I; 1.026, §1º; 1.029, §5º) Cabe tutela de evidência recursal.30

Importante esclarecer que, nos termos do artigo 1.010, §1º, do Código, a tutela de evidência recursal somente pode ser concedida após a apresentação das contrarrazões ao recurso de apelação, em razão do Devido Processo Legal, podendo a outra parte impugnar a tutela fazendo uso dos meios autônomos de impugnação, tais como o mandado de segurança (BODART, 2015).

A medida introduzida denominada tutela de evidência visa distribuir entre vencedor e vencido o fardo da morosidade do sistema judiciário, distribuindo entre ambos o ônus do tempo despendido com a marcha processual, permitindo, ainda, quando cabível, o acesso da parte vencedora ao bem da vida judicialmente reconhecido por meio da retirada do efeito suspensivo da apelação, permitindo que a parte vencedora promova a execução provisória do julgado.

 

3.4 – O ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO ACERCA DA PREVISÃO E APLICAÇÃO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA E O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS

TJ-RS – Agravo de Instrumento AI 70075821983 RS (TJ-RS)

Data de publicação: 26/03/2018

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. TUTELA DE EVIDÊNCIA. CABIMENTO. ART. 311, IV, DO

CPC. O conjunto probatório aportado aos autos (documentos trazidos com a petição inicial, aliados à desídia dos réus) mostra-se suficiente para evidenciar o alto grau de probabilidade do direito da parte autora, possibilitando a concessão da tutela de evidência. Incidência do disposto no artigo 311, IV, do Código de Processo Civil. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.31

 

TJ-SP – 20217327620188260000 SP 2021732-76.2018.8.26.0000 (TJ-SP)

Data de publicação: 16/04/2018

Ementa: REINTEGRAÇÃO DE POSSE – RETRATAÇÃO DO DEFERIMENTO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA POSSESSÓRIA, PARA INDEFERI -LA –

REFORMA – A tutela de evidência é cabível independentemente de perigo de dano, quando a petição inicial estiver instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (CPC/2015, art. 311, inc. IV) – Caso em que o autor juntou o contrato de comodato firmado pelas partes, e sua rescisão notificada aos réus, que não desocuparam o imóvel, incorrendo em esbulho, o que não foi impugnado em contestação – Eventual expropriação judicial do imóvel em outra demanda não ficou comprovada e somente subtrairia a posse do autor depois que o adjudicante ou arrematante houvesse sido imitido na posse, o que não é caso dos autos – Tutela de evidência para reintegração de posse deferida. Recurso provido.32

 

TRF-4 – AGRAVO DE INSTRUMENTO AG 50609019820174040000 5060901- 98.2017.4.04.0000 (TRF-4)

Data de publicação: 17/04/2018

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE EVIDÊNCIA.

DEFERIMENTO. Nas hipóteses dos incisos II e III do art. 311 do CPC, o juízo poderá decidir liminarmente acerca da tutela de evidência. Tutela de evidência deferida.33

 

TRF-3 – APELAÇÃO CÍVEL Ap 00014908120184039999 SP (TRF-3)

Data de publicação: 09/05/2018

 

Ementa: PREVIDENCIÁRIO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL.    CORREÇÃO    MONETÁRIA.    HONORÁRIOS   ADVOCATÍCIOS.

TUTELA DE EVIDÊNCIA MANTIDA. I- Os requisitos previstos na Lei de Benefícios para a concessão da aposentadoria por invalidez compreendem: a) o cumprimento do período de carência,  quando exigida,  prevista no art.  25 da Lei  nº

8.213 /91; b) a qualidade de segurado, nos termos do art. 15 da Lei de Benefícios e

  1. c) a incapacidade definitiva para o exercício da atividade laborativa. O auxílio doença difere apenas no que tange à incapacidade, a qual deve ser temporária. II- A carência e qualidade de segurado não foram analisadas, à míngua de impugnação específica da autarquia em seu recurso. III- A alegada incapacidade parcial e permanente da autora de 58 anos e lavradeira ficou plenamente demonstrada pela perícia médica. Embora não caracterizada a total invalidez – ou, ainda, havendo a possibilidade de reabilitação em função diversa -, devem ser considerados outros fatores, como a idade, o tipo de atividade habitualmente exercida, ou o nível sociocultural. Tais circunstâncias nos levam à conclusão de que não lhe seria fácil, senão ilusório, iniciar outro tipo de atividade. Dessa forma, deve ser concedida a aposentadoria por invalidez pleiteada na exordial. Consigna-se, contudo, que o benefício não possui caráter vitalício, considerando o disposto nos artigos 42 e 101, da Lei nº 8.213 /91 IV- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo. V- Com relação aos índices de atualização monetária, deve ser observado o julgamento proferido pelo C. Supremo Tribunal Federal na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947. VI- A verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação remunera condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença…34

 

4  – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Sendo o Direito um fenômeno social, a atividade jurisdicional deve atender aos anseios da sociedade, que exige respostas rápidas e eficazes do Judiciário, pois o tempo despendido pelos jurisdicionados para obter uma solução definitiva para as demandas postas em juízo é verdadeira perda irreparável, irreversível, bem da vida cujo ressarcimento ou reparação é impossível. E a prestação jurisdicional letárgica gera vulnerabilidade e insegurança das relações sociais, que ficam desamparadas e desestimuladas a buscar amparo perante o Judiciário, preocupação essa inexistente no código anterior (BODART, 2015).

E é nesse contexto que surge a Tutela de Evidência como ferramenta destinada a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional quando o direito do autor goza de credibilidade documental, e/ou foi reconhecido por meio de sentença o direito perseguido, visando evitar que a entrega do bem da vida pleiteado necessite aguardar a longa, tortuosa e lenta marcha da atividade de cognição exauriente rumo ao trânsito em julgado para que só assim a parte venha a ter o seu direito efetivado quando a existência do mesmo é demonstrada de plano ou já foi reconhecida em sede de sentença e se encontra desafiada por recurso de Apelação.

Contudo, ressalta-se que a evidência do direito da parte quando fundado em prova documental avaliada em sede de cognição sumária não confere a certeza do direito perseguido, mas tão-somente a probabilidade do direito. O que equivale a dizer que é impossível obter certeza judicial quanto ao direito pleiteado em sede de cognição não exauriente.

Destaca-se que a medida em estudo não é uma ferramenta posta exclusivamente à disposição do autor, uma vez que o réu também pode valer-se dela em algumas situações,  tais como, na reconvenção e no pedido contraposto.

E mais, além de uma ferramenta a serviço da parte a fim de demonstrar de plano o direito, a tutela de evidência é importante instrumento sancionatório que visa coibir práticas protelatórias, deslealdade e má-fé processual, podendo ser concedida de ofício quando presentes os requisitos legais.

Registre-se que, por fim, que se a tutela de evidência prevista no CPC é sempre satisfativa da pretensão do demandante, daí não se pode extrair a absoluta impossibilidade de que se venha a reconhecer algum caso de tutela da evidência meramente assecuratória. É o que se tem, por exemplo, na medida que determina indisponibilidade de bens do réu de “ação de improbidade administrativa” ( art. 7º. da Lei no. 8.429/1992), medida assecuratória  não definitiva para cuja concessão  não se exige a existência de uma situação de urgência (como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Resp. 1.336.721/BA), julgado conforme a técnica de julgamento dos recursos repetitivos).35

 

Maria Cecília Fernandes de Mattos Crispim
OAB/RJ 199.992

 


 

1BRASIL,  Tutela de Evidência e Juizados Especiais. Disponível em: https://direitomemoriaefuturo.com/2017/04/01/tutela-de-evidencia-e-juizados-especiais/.  Acesso  em 17/07/2018.

2Câmara, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro – 3ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2017. p.172.

3BRASIL, Tutela de Evidência e Juizados Especiais. op. cit.

4BRASIL. Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 3ª Edição, 2018.

5WAMBIER, Luiz Rodrigues & WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações Sobre a Efetividade do Processo. Revista dos tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, (814): p. 63-70, ago. 2003.

6FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela da Evidência. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 310.

7O Novo Código de Processo Civil; questões controvertidas/Vários autores – São Paulo: Atlas, 2015. p.260.

8BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência – Teoria da Cognição, Análise Econômica do Direito Processual e Comentários Sobre o Novo CPC. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. – (Coleção Liebman/Coordenação Tereza Arruda Alvim Wambier e Eduardo Talamini). P 175.

9Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.175/176.

10MARINONE. Luiz Guilherme. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 332 e 333.

11BRASIL, Tutela de Evidência e Juizados Especiais. op. cit.

12BRASIL, Juizado Especial e a Aplicação do Novo CPC. Prolegômenos do Novo Código de Processo Civil e   sua   Aplicabilidade   nos   Juizados   Especiais   Cíveis   e   da   Fazenda   Pública.   Disponível   em http://www.rkladvocacia.com/juizado-especial-e-aplicacao-do-novo-cpc-prolegomenos-do-novo-codigo-de- processo-civil-e-sua-aplicabilidade-nos-juizados-especiais-civeis-e-da-fazenda-publica/ Acesso em 17/07/2018.

13Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.175/176.

14Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.172.

15O Novo Código de Processo Civil; Questões Controvertidas/Vários autores – São Paulo: Atlas, 2015. p.33.

16BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis. Florianópolis. Março 2017. Enunciado nº 35.

17Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.173.

18Idem.

19BRASIL. Seminário realizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados sobre o Poder Judiciário e Novo Código de Processo Civil. Agosto 2015. Enunciado nº 30.

20Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p. 173.

21Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.174.

22Câmara, Alexandre Freitas. op.cit. p.172.

23Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.174/175.

24BRASIL,   Tutela   Provisória   do   Novo   CPC   Aplicada   aos   Juizados   Especiais.   Disponível   em: https://www.conjur.com.br/2016-dez-16/francisco-glauber-tutela-provisoria-aplicada-aos-juizados-especiais. Acesso em 17/07/2018.

25Idem.

26Idem.

27BRASIL, Tutela de Evidência. Disponível em:  http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,tutela-de- evidencia,56439.html. Acesso em 17/07/2018.

28DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 501.

29BRASIL. Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 3ª Edição, 2018.

30BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis. Florianópolis. Março 2017. Enunciados 217 e 423.

31BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70075821983. Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Heleno Tregnago Saraiva. Julgado em 21/03/2018.

32BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão Nº 2048.0000270700. Décima Primeira Câmara de Direito Privado. Relator: Walter Fonseca. Julgado em 12/04/2018.

33BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento Nº 50609019820174040000 5060901-98.2017.4.04.0000. Terceira Turma. Relator: Rogério Favreto. Julgado em 17/04/2018.

34BRASIL, Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Nº 00014908120184039999. Oitava Turma. Relator: Newton de Lucca. Julgamento em 23/04/2018.

35Câmara, Alexandre Freitas. op. cit. p.176.

 


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro – 3ª. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.

WAMBIER, Luiz Rodrigues & WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações Sobre a Efetividade do Processo. Revista dos tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, (814): p. 63-70, ago. 2003.

 BODART, Bruno Vinícius da Rós. Tutela de Evidência – Teoria da Cognição, Análise Econômica do Direito Processual e Comentários Sobre o Novo CPC. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. – (Coleção Liebman/Coordenação Tereza Arruda Alvim Wambier e Eduardo Talamini).

BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 19ª Ed. São Paulo: Atlas, 2016.

BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC. Disponível em:  http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o-Paulo.pdf Acesso em 10.07.2016.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Novo Código de Processo Civil Anotado. 20ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

O Novo Código de Processo Civil; Questões Controvertidas/Vários autores – São Paulo: Atlas, 2015.

MARINONE. Luiz Guilherme. Tutela de Urgência e Tutela da Evidência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70075821983. Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Heleno Tregnago Saraiva. Julgado em 21/03/2018.

BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Acórdão Nº 2048.0000270700. Décima Primeira Câmara de Direito Privado. Relator: Walter Fonseca. Julgado em 12/04/2018.

BRASIL, Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Agravo de Instrumento Nº 50609019820174040000 5060901-98.2017.4.04.0000. Terceira Turma. Relator: Rogério Favreto. Julgado em 17/04/2018.

BRASIL, Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação Nº 00014908120184039999.

Oitava Turma. Relator: Newton de Lucca. Julgamento em 23/04/2018. BRASIL. Código de Processo Civil. Salvador: JusPodvim, 3ª Edição, 2018.

BRASIL. Fórum Permanente de Processualistas Civis. Florianópolis. Março 2017.

BRASIL. BRASIL. Seminário realizado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados sobre o Poder Judiciário e Novo Código de Processo Civil. Agosto 2015.

BRASIL, Juizado Especial e a Aplicação do Novo CPC. Prolegômenos do Novo Código de Processo Civil e sua Aplicabilidade nos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública. Disponível em http://www.rkladvocacia.com/juizado-especial-e-aplicacao-do- novo-cpc-prolegomenos-do-novo-codigo-de-processo-civil-e-sua-aplicabilidade-nos-juizados- especiais-civeis-e-da-fazenda-publica/ Acesso em 17/07/2018.

BRASIL,     Tutela de Evidência e Juizados Especiais.  Disponível em: https://direitomemoriaefuturo.com/2017/04/01/tutela-de-evidencia-e-juizados-especiais/ Acesso em 17/07/2018.

BRASIL, Tutela Provisória do Novo CPC Aplicada aos Juizados Especiais. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-dez-16/francisco-glauber-tutela-provisoria-aplicada- aos-juizados-especiais. Acesso em 17/07/2018.

BRASIL,  Tutela de Evidência. Disponível em:  http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,tutela-de-evidencia,56439.html Acesso em 17/07/2018.

Compartilhar:

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on linkedin
Fechar Menu